Viagem à Patagônia
Uma Expedição ao Fim do Mundo

Para onde vamos ?

Tudo começou quando estava com meu amigo Flávio, sentados em um bar em Machu Pichu, discutindo onde poderíamos fazer uma próxima viagem, despois desta de 1992. Ele veio com uma sugestão de um tal de Lago Argentino, onde haveria umas geleiras que se rompem um intervalo de quatro anos.

Como bons colegas de computação, ao invés de conversarmos sobre o que fazer lá, como ir ou qualquer outro pequeno detalhe de uma viagem, apostamos se o Lago ficaria ao Norte ou ao Sul do paralelo 50° S. Bem, logo olhamos um mapa da América do Sul e descobrimos que o tal paralelo cortava o lago. Depois disto surgiram matérias sobre o local, como livros - "Parques da América do Sul", "Caminhadas na Patagônia Andina" - e revistas - "Férias / Viagem - Roteiros de Viagens Diferentes", "Caminhos da Terra". A idéia ficou no ar, amadurecendo cada vez mais.

Férias - a oportunidade

Sempre gostei muito de viagens mais ao estilo de aventura, onde existe simplemente uma vontade e uma mochila nas costas. O destino já é algo mais vago, que só se sabe que foi alcançado quando se está lá, olha-se em volta e se afirma - cheguei. Com estas idéias já havia visitado lugares como o interior da Turquia, Pantanal, Deserto de Atacama, Chapada Diamantina.

Só que nos últimos tempos tenho tido uma outra fixação para todo o meu tempo livre de férias - ir para montanhas nevadas esquiar. Assim foi em Agosto e será agora em Março/98. Tudo bem planejado, com roteiros e reservas de hotel, acreditem. Pobre mochila, atirada em um canto.

Então surge uma oportunidade, em uma decisão altamente simpática da empresa onde trabalho. Os dias de trabalho entre os dias entre o Natal e o Ano-Novo seriam compensados posteriormente, surgindo umas férias inesperadas.

Ir sozinho ?

Bem, já que teria este tempo livre poderia fazer uma viagem. A Patagônia, que estava em um canto da memória, voltou a tona em algumas páginas procuradas no Yahoo. Mas e agora, ir sozinho ou com alguém mais ? Não que isto fosse considerado um grande problema, não tenho muita dificuldade em me aguentar. Mas sempre dividir experiências é mais gratificantes que, perante um novo desafio, simplesmente chegar, olhar e vencer - sozinho.

A minha namorada era a pessoa que eu queria que fosse junto, porém ela disse que não dispunha de tempo por causa de acúmulo de trabalho na sua empresa. Como eu já havia trabalhado lá por algum tempo, conhecia a situação de final de ano. O Flávio, que era o incentivador do tal Lago, também recusou por motivo semelhante.

Mesmo assim a minha reserva de vôo para uma cidade chamada Rio Gallegos, (sul, muito sul da Argentina) já estava feita. Quem é que teria um perfil de viagem mais voltado à Natureza e não a um Hard-Rock Café ? Lembrei-me de um colega, Gabriel, que havia encontrado numa festa poucos meses antes e que havia dito para avisá-lo quando tivesse uma viagem interessante a fazer.

Não custa nada convidar. - Alô, Gabriel, estou indo para umas geleiras no sul da Patagônia. Isto mesmo, não só na Patagônia como no sul dela. - Fazer o que ? Como é que é lá ? - Passear, tem umas montanhas, lagos, trilhas, gelo. - Tô nessa, vou só emitir o alvará. Namorada comunicada, viagem confirmada.

Indo para dias mais longos

E agora, qual o nosso plano após a chegada na Argentina ? Calma, teremos umas quatro horas de vôo para decidir. Sem contar nossa escala em Buenos Aires, onde poderemos ler todo o material que coletei. Quem diz que um dia leríamos o material não lido aqui no Brasil ? Muitas páginas de descrições de passeios foram parar no lixo ser ter sido usadas.

Em B.Aires dispúnhamos de tanto tempo em excedente que deu para sairmos do aeroporto internacional de ônibus de linha para ir até o centro. Nada de mais se este não fosse bem mais longe que Guarulhos ou Galeão. Aí dá para ver porque aquela cidade é bem maior que o centro, onde todos turistas vão. Batemos papo com uns surfistas, que achávamos estranho estarem ali até descobrirmos que iam para o Peru.

Nove horas da noite, iniciava o Pôr do Sol. Num daqueles divertimentos das pessoas que gostam de tecnologia, portava eu um brinquedo novo que havia ganho de Natal - um relógio com sensores de altitude, temperatura e bússula. Ali marcava que a direção do nosso vôo era para SW. Oeste, onde o Sol se pôe e para o Sul - onde a duração dos dias é bem mais extremada que perto dos trópicos. Então fomos acompanhando o Pôr do Sol por mais duas horas pelo menos, e já passava bastante das Onze quando escureceu finalmente.

Para onde vamos

Como havia dito, só iriamos decidir o local exato da viagem no avião, de preferência quando estivéssemos bem perto de aterrizar. As opções mais cotadas eram a Terra do Fogo, o Lago Argentino e seu Glaciar de Perito Moreno, as montanhas de Fitz Roy nos Andes Argentinos e o Parque Chileno de Torres del Paine.

Em pleno vôo vimos duas pessoas conversando dizendo que estavam indo para Torres del Paine. Sobre este havíamos lido expressões como "Se vais a um local na Patagonia, certamente Torres del Paine é a melhor escolha", "Jewel of the Crown, comparable to Yellowstone" em um livro norte americano. Imaginei isto um elogio, mesmo sem conhecer o tal.

Bem, neste tipo de viagem a capacidade de se enturmar aumenta consideravelmente em relação a um grupo de turistas indo visitar New York. Nós tinhamos recém comprado um guia da Patagônia argentina, e queríamos justificar nosso investimento. Então conversamos com estes que iriam às Torres, e percebemos uma grande afinidade de interesses de viagem (passeios), e logo juntamo-nos ao espanhol Juan e ao inglês Tom - e assim ficaríamos por duas semanas.

Pronto, já tinhamos nosso itinerário inicial - primeiro o Glaciar e depois Torres del Paine. Depois veríamos o resto, até encontrar outros viajantes que nos convencessem a mudar de rumo.

Patagônia, finalmente

A região da Patagônia compreende uma área imensa da Argentina, sendo que muitos já até a visitaram sem saber, pois as belas estações de esqui de Bariloche e Chapelco ficam nela situadas. Mas não, na realidade estávamos no sul da Patagônia, a 2700 km de Buenos Aires.

Quando desembarcamos tomamos consciência que os programas que pretendíamos fazer eram praticamente o roteiro padrão do local. Imaginem chegar à uma da manhã na "cidade grande" (Rio Gallegos) esperando conseguir pegar o primeiro ônibus no dia seguinte para Calafate, no Lago Argentino. Ao liberar as bagagens, deparamo-nos com uma agência vendendo passagens para lá, em um ônibus que saía em apenas uma hora.

Nas primeiras horas da manhã (atenção com os termos de significado relativo - estas primeiras horas significam 07:00 neste ponto, mas serão 10:00 no resto da viagem ou 03:00 para uns israelenses que estão por aparecer) estávamos tomando café na avenida principal da cidade, a Libertador San Martín. Impressionaram-me os jardins com belas roseiras em todas as casas, ao que o inglês prontamentamente comparou com seu país. Nesta hora que me dei conta que estava agora viajando com um representante dos conquistadores espanhóis e ingleses em plena Argentina. Mas nunca conversou-se sobre saques nas colônias ou Malvinas.

Los Glaciares

Até aí não havia muita coisa que diferenciasse a região. Havia algumas estradas de rípio, que umas pedrinhas sob a terra, permitindo a alguns audaciosos a andar a 120 km/h, lagos de água muito limpa e um pouco de frio (pouco em dialeto gaúcho, pois estava como uns 10° C, suficiente para arrepiar cariocas).

Pegamos então o barco que nos levou pelo Lago Argentino até o Glaciar Perito Moreno. Ali percebemos o quanto valeria a pena ter andado tanto para chegar até ali. É de difícil descrição em palavras o espetáculo e o sentimento relacionado com a visão daqueles enormes blocos de gelo azul que se rompem causando um estrondo ao atingir o lago que formam.

Sem querer manter uma preciosidade estatística, esta parede de gelo deve ter uns 15 metros de altura. Sua extensão é de centenas de quilômetros no sentido Norte-Sul, e são chamados de Hielos Continentales na Argentina, ou Campos de Hielo Sur no Chile. Eles ainda estão a discutir quem é o dono daquela imensa massa de água solidificada.

Não estávamos a uma grande altitude, 500m sobre o nível do mar, o que certamente não manteria o gelo por muito tempo. Em um bom programa turístico, os guias do barco nos deram uma aula dizendo que neva muito nas regiões mais altas e este gelo vai descendo até o glaciar, abrindo espaço nas montanhas e formando uns vales e rios de gelo. A precipitação anual aumenta significativamente quanto mais perto se chega da cordilheira.

Convidaram-nos a fazer o que chamaram de mini-trekking. Vulgo caminhada no gelo. Colocamos uns grampones nos tênis e saímos a dar umas voltas no gelo. Quem não viu nenhuma foto pode achar que o gelo parece com um campo liso de neve, mas é totalmente enrugado. Ficamos subindo e descendo por uma hora, passando perto de cavernas e poços. Não deixavam chegar perto nem de um nem de outro, pois o gelo sempre pode desabar. Os equipamentos de resgate de emergência haviam sido esquecidos na Capital Federal.

El Chaltén

Ao retornarmos para o pequeno povoado de Calafate descobrimos que haveria um próximo ônibus para El Chaltén (onde há o monte Fitz Roy) em pouco tempo. Nossos companheiros de São Paulo (isto mesmo, o inglês e o espanhol trabalham em Sampa) resolveram também ir, pois todos os horários de transporte até o momento estavam muito favoráveis.

Linda estrada, andamos quatro horas em um ônibus só nosso para chegarmos à noite num hotel onde tínhamos reserva. Ao sermos comunicados que este estava lotado, e verificando que já eram quase meia-noite, constatamos que a viagem de mochileiros havia começado. Onde tem outro lugar para parar nesta "cidade" ? Peguem a rua principal - Libertador San Martin, para variar - e andem à direita.

Funcionou, disseram que havia lugar para dormir e banho quente - tomarmos no dia seguinte. Nos mandaram para quartos onde já haviam outros viajantes, tinha uma bela cara de albergue da juventude europeu. Só não avisaram isto ao Juan, que entrou gritando no quarto pensando que estaríamos lá.

Acordando cedo, começamos a caminhar rumo às montanhas. Já na largada saí junto com o Tom, deixando o Gabriel e o Juan para mais atrás. Mapa na mão, indicações de qual caminho a seguir, nada disto foi suficiente para pegar a trilha correta. Fomos parar na encosta de um morro, onde o riacho que o mapa indicava encontrava-se dezenas de metros mais abaixo. Mas assim seguimos na direção correta, com um despenhadeiro ao nosso lado. Tinha uma cascata de um lado, uma geleira do outro, não nos queixamos do caminho "escolhido".

Fitz Roy

Duas horas depois de sair, chegamos ao pé de uma montanha mais inclinada. Subida à frente, até um lago onde teríamos uma bela vista das torres de Fitz Roy. Ainda bem que as mochilas pesadas estavam no hotel, fomos subindo aos poucos. Andava um passo à frente e dois para o lado, diminuindo a inclinação da caminhada, pois acreditava que era melhor subir 1.000m em 5. 000m do que em 2.000m. A base científica desta teoria é algo que se chama intuição, mas o resultado é que cheguei ao lago um pouco depois dos demais mas ainda com fôlego sobrando. Só ficava um pouco chateado quando famílias inteiras passavam por mim, conversando alegremente.

O Fitz Roy é uma montanha que impressiona pelo seu formato agudo, desafiador. Muitos já perderam sua vida ao tentar subi-la, mas isto nunca passou pela nossa cabeça. Apenas o Tom decidiu que iria subir o outro morro, Madsen, onde já havia muita neve. Só eu fui acompanhá-lo, quero dizer, também fui caminhar no Madsen. No final, digo que valeu a pena chegar nas alturas. Mas penei, pois a trilha era apenas até o lago los Tres, e após só haviam pedras soltas e um pouco de neve. O Tom saiu em disparada e subiu sozinho acho que quase até o topo, reclamando que não tinha um machadinho para a neve. Tive que censurar todas as fotos que apareci com ele neste dia, pois ele usava umas calças de lycra que pegaria muito mal por aqui.

Na descida pudemos ver um outro lago escondido, e tive saudades de meus esquis, de tanta era a neve que havia. Impressionante, descer cansa quase tanto quanto subir quanto há pedras soltas e uma inclinação forte. Já com um sol "forte", chegamos ao lago, onde tive que pedir ao Tom para tirar uma "Foto Histórica" - eu nadando em um lago com temperatura quase em zero, com neve ao lado. Deu certo, mas quase congelei.

Lago Desierto

Voltando para nosso albergue, descobrimos qual era a trilha correta, mas isto só teria economizado poucos minutos para quem caminhou mais de 10 horas no dia. Foram 1100m de desnível, primeiro subindo e após descendo. Ainda bem que não houve nenhum outro dia assim na viagem.

No dia seguinte, decidimos fazer algum programa leve enquanto esperávamos o ônibus que sairia às 4:30 PM. A caminhada ao Cerro Torre estava definifivamente descartada, apesar de fotos indicarem que seria um belo local.

Na hosteria nos ofereceram um passeio, de auto, até o Lago Desierto. Um olhou para o outro, e sem opção melhor, fomos. Este lago, formado pelo degelo dos glaciares que o cercam, apresenta uma paisagem impressionante de muita vegetação junto com geleiras, uma água transparente e uma bonita ponte feita de toras de madeira da região.

Foram apenas umas duas horas de passeio, com direito a ficar um belo tempo apenas contemplando o lago, admirando-o. Lá encontramos um casal de alemães em tour pela América do Sul, pretendiam rodar até a Bolívia e Brasil. Com suas possantes motos BMW, sistemas GPS e tempo de mais de um ano, acho que tem boas condições para isto. Claro, considerando-se que estavam de moto, com assentos forrados com pelegos.

Volta à Calafate

Após algumas horas na estrada de rípio, chegamos a Calafate. No caminho conversamos muito (quatro horas de caminho) com outras pessoas que tinham feito mais ou menos o mesmo que nós. Alguns inclusive estavam indo para Calafate pegar o ônibus para Puerto Natales, já tendo até reserva no que sairia no dia seguinte pela manhã.

Não havíamos comprado ainda a passagem, mas afinal sempre pensamos em fazer tudo em cima da hora. Idéia bem brasileira, na hora se dá um jeito. Claro, se deu, mas saiu bem mais caro do que se tivéssemos feito como os outros viajantes.

Lotado. Mas não tem outro ônibus amanhã para o Chile ? Não. E agora, o que fazemos ? Vocês podem chegar aqui amanhã cedo e esperar para ver se algumas pessoas não confirmam a reserva e o ônibus fica com lugares vazios. Ou esperar mais um dia. Ás 7:30 AM, lá estávamos nós esperarando.

O ônibus foi enchendo, pessoas chegando. Já meio sem esperanças, deixei minha mochila ao lado do Tom, que estava na frente do ônibus. Fui falar com Gabriel para decidir o que fazer, se iríamos passear, caminhar, voltar a dormir. Quando voltei, o Tom não estava no mesmo local.

Muito menos a mochila. Onde raios está minha mochila, com toda a minha bagagem ? Fui em todas agências de viagem, Informações Turísticas, nada. Será que ela foi junto com o ônibus ? Era importante demais para a viagem eu ter minhas roupas, nem eu mesmo me aguentaria mais uma semana com roupa do corpo. Ainda bem que a passagem, identidade e dinheiro estavam comigo.

Confabulamos, ainda bem que chegamos a uma decisão que deveríamos pegar um Remis (espécie de taxi sem taxímetro) para ir até o Chile, atrás do ônibus. Pedi ao encarregado de uma agência que tentasse se comunicar com o ônibus, pois estaríamos atrás dele. E não deu outra. Apenas uma hora e meia de estrada, lá estava o ônibus. E com a minha mochila.

O Remis nos levou até o Chile, onde entramos no Parque Nacional Torres del Paine. Custou apenas $75, para cada um dos quatro. Até que valeu a pena, pois teríamos que ir para Puerto Natales e dormir um dia lá. Economizamos um dia, e às três da tarde estávamos almoçando em um dos hotéis de luxo que o parque dispõe, já equipados com mapas da região.

Torres del Paine - O Parque

"O Parque Torres del Paine fica onde a Cordilheira termina dramaticamente, com o grande maciço que vem do Norte se transformando em uma sucessão de picos isolados, com formas deslumbrantes e uma majestade de tirar o fôlego. Os lagos de cor turquesa, as geleiras e a peculiar vida selvagem são retoques deste cenário deslumbrante." - Revista Viagem e Turismo.

Menos de uma hora da fronteira chegamos ao parque. A Argentina e Chile utilizaram uma maneira bem prática de demarcação de fronteira, onde sempre os picos mais altos dos Andes servem para indicar que à sua esquerda (Oeste) fica o Chile e à direita (Leste) a Argentina. Como sempre estávamos perto das montanhas mais altas, a fronteira nos acompanhava quase que diariamente.

O Parque é algo de bem cuidado, faz parte da Rede Internacional de Reserva da Biosfera, UNESCO. Já na entrada sentimos uma diferença, quando tivemos que declarar nossos nomes e tempo estimado de estadia ali. Pareceu burocracia, sustentada pelos $15 que cada um pagou para entrar, mas logo vimos que efetivamente o dinheiro arrecadado era utilizado para cuidar cada trilha do lugar. E disseram-nos que se alguma pessoa não saísse no dia estimado, seria acionada uma equipe de resgate. Não vamos tão longe, isto não pude comprovar.

A visão das primeiras lagoas, suas montanhas e alguns guanacos indicavam que aquele lugar era mesmo especial. Os guanacos são animais parecidos com as llamas peruas, lembrando vagamente pequenos cavalos. Ficam atirados em redor dos lagos, se afastam mansamente quando chego para tirar uma foto ao seu lado. Tem um ritmo de vida que não se espera encontrar em um animal selvagem, mas afinal aquilo é um parque, onde há uma harmonia entre o homem e a natureza.

Alguns dados técnicos: possui 2422 km2, e fica 150 km ao Norte de Puerto Natales e 400 km de Punta Arenas, que foi uma importante cidade de passagem de navios de carga antes de fazerem o Canal do Panamá. Depois a região ficou com um grande rebanho de ovelhas, e hoje sobrevive mais com o turismo. A melhor época para se visitar é no verão, quando os dias são mais longos e quentes. Existem alguns cruzeiros de alto luxo que saem de Puerto Montt até Puerto Natales, tipo uma semana navegando junto a fjords e geleiras na costa Sul do Chile.

Ida às Torres

Bem, após aquele almoço estávamos prontos para começar a percobrir o parque através de suas trilhas. Com o mapa na mão, discutíamos se seria melhor andar toda a extensão do seu perímetro ou fazer apenas meia volta, chegando mais perto das Torres. Ganharam as Torres, davam nome ao parque e seriam impressionantes. No fundo o que convenceu o inglês foi conversar com alguns de seus compatriotas que disseram que era literalmente uma gelada dar a volta toda em uma semana, com barro e gelo mais ao Norte.

Vamos às Torres, depois seguimos caminho. Pela primeira vez iríamos dormir naquelas barracas que havíamos trazido. Conversandos com os amistosos chilenos da recepção do hotel, deixamos metade do equipamento com eles para buscar no dia seguinte. Com isto ficaram 6 KG a menos de peso para cada um carregar na subida da montanha.

Que nem era tão difícil assim para quem havia ido ao Fitz Roy. Mas foi engraçado ver o repórter da Globo quase morto ao tentar fazer isto quando mostraram um especial no Globo Reporter no início de 98. As trilhas muito bonitas, passando no meio de vales formados por degelo dos glaciais mais antigos. Passmos por uma casinha, que descobrimos ser o Refúgio Chileno.

Estes refúgios são os equivalentes aos albergues da juventude versão montanha, uma pequena casa com 4-6 quartos com 4 beliches cada, onde pode-se fazer refeições, comprar mantimentos ou acampar ao lado. Ideais para quem quer andar pelo parque sem ter que sujeitar-se a uma barraca ou a um hotel 5 estrelas.

Campamento Torres

Final do dia, 9 horas, chegamos ao acampamento da base das Torres, onde dormiríamos para no dia seguinte pela manhã subirmos até elas. Tom e Gabriel resolveram subir no mesmo dia, mas não creio que tenha sido uma boa idéia pois chegaram lá em cima cansados, já com pouca luminosidade.

Havia uma área de acampamento para cerca de vinte barracas, embora com apenas umas sete ocupadas. A mesa central era um local de confraternização, onde pude pedir um Band-Aid à uma turma de suícos que estavam por lá. Tudo era pretexto para integração, no dia seguinte eles já estavam indo caminhar com Tom & Gaby até o chamado Campamento Japonês.

Depois chegou um grupo de israelitas, que perguntou se subiríamos para ver o nascer do Sol nas Torres. Neste tipo de viagem, é prudente dar-se uma resposta não conclusiva quando não se sabe direito o que está acontecendo, então aplicamos "Não sabemos ainda, vocês, o que farão ?". "- Acordaremos cedo, e quando o Sol nascer já estaremos lá em cima para ver o contraste de cores entre as Torres, o Sol nascente e a noite que se vai".

Até que parece uma boa idéia. Disse que uma vez havia visto uma bela foto no país deles de um nascer do Sol lindo, no Monte Sinai. Caí no meu próprio conceito ao ser lembrado que eles haviam devolvido o Sinai inteiro ao Egito já fazia alguns anos. E acabamos por engavetar a idéia de subir cedo, pois o cedo era demaisiaado - queriam chegar às quatro da manhã, mais uma hora de caminhada e meia para o setup inicial ao se acordar. Tudo isto faria eles se levantarem às 2:30. Tô fora, vou à Patagônia mas isto não quer dizer que topo qualquer uma.

O espetáculo das Torres foi melhor aproveitado por Juan e eu, que dormimos bem de noite para subirmos descansados. Senti pena dos israelenses, estava nublado de manhã (às 8:00). A subida final é algo como mais de 45°, somente pedras (algumas soltas) no chão. Mas acabam todos conseguindo, realmente a visão das Torres imponentes é valioso e indescritível. A natureza mostra sua grandiosidade naquelas pedras que se erguem e meio a geleiras e lagos.

Lago Grey

Volta ao hotel, reunião para decidir o que fazer a seguir. Fotos do Glaciar Grey, bem como o mapa com a trilha para chegar lá. Mas as pernas acusavam o fato de existir uma rota que apresentava um caminho com apenas estradas e uma ida de barco para chegar no ponto que queríamos.

A esta altura já era 30 de Dezembro à noite, deveríamos planejar nosso Reveillon. Sentindo que estávamos pensando em uma mudança nos planos, Tom se antecipou e disse que estaria iniciando a trilha na manhã do dia seguinte. Gabriel não queria encarar aquele barco que mostravas muitos icebergs à sua volta, mas como Juan e eu queríamos, acabou aceitando a nossa idéia quando nos informaram que havia um Refúgio à beira do lado Grey que deveria ter algo como uma festa de Ano Novo.

Juan, Gaby e eu chegamos à Hosteria Grey, que fica à margem do Lago Grey, de onde saía regularmente o barco que faz o trajeto até a geleira e retorna. Tentamos negociar um preço menor por não retornarmos, porém foi em vão. Lá se foram $50.

Plenamente compensados pela tarde inesquecível. Começou com a vista do Lago com seus icebergs espalhados. Lindo, subiu muito nossa emoção ao tomarmos um pequeno barco inflável que nos levaria até o barco maior. Ainda bem que o filme Titanic não havia estreado, pois imaginei que aquele colete salva-vidas nunca me salvaria do frio, mas não sabia o quão pouco tempo aguentaria.

O barco é na verdade um representante da outra metade dos visitantes do parque. O ponto alto da viagem é quando servem whiskie para os passageiros com pedras de gelo milenares. Depois se desembarca muito perto do glaciar, porém não se dispõe dos sapatos com pregos necessários à caminhadas no gelo.

O Refúgio Grey

Saímos do barco logo após, em uma pequena praia com pequenas pedras no lugar da areia. O Refúgio Grey ficava a poucos metros dali, e com alegria descobrimos que poderíamos dormir naquela noite nele ao invés de passarmos nossa terceira noite em uma barraca. Pena que os lugares para a Ceia de Ano Novo já estavão esgotados.

O Refúgio é algo especial no parque, principalmente para pessoas que se dispõe a colocar uma mochila nas costas e sair andando por aí. Ali se conhece melhor o conjunto de pessoas que estão indo e vindo pelo parque. Sentimo-nos até um pouco mal por ter chegado de barco e não a pé, como todos os outros. Fomos chamados de "Os Caminhantes Burgueses".

A turma que lá encontramos é composta basicamente de europeus e algum que outro norte-americano, com pouquíssimos sul-americanos. Franceses, alemães, suecos, suíços, austríacos e por aí vai. Até entre os trabalhadores do Refúgio se encontram norte-americanos em busca de experiências diferentes ou de aprender espanhol - acho que para se virar em Miami.

Reveillon

O dia era de festa, o Ano Novo estava chegando. Às oito da noite, com um sol a pleno, um grupo começa a comemorar. O que seria ? Eram meia noite na França, de onde vinham. Estranho, nunca imaginei que fariam este tipo de festa antecipada.

Nós tinhamos uma garrafa de whiskie e uma de champanhe para a ocasião. A de whiskie foi meio que um presente do pessoal do barco que nos levou até ali, e a de champanhe veio junto com uma revista que o Gabriel comprou.

Para gelá-las tinha-mos nossa geledeira especial. Muitos pedaços dos icebergs se desprendem e vão até a borda do lago, onde pegamos um para colocar dentro a champanha e depois extrair o gelo para o whiskie. As pessoas que estavam acampadas em torno do Refúgio foram até este, pois lá havia animação, com músicas de toda a parte do mundo e pessoas dançando cada um a sua maneira.

Muito pouco que estou acostumado a beber, nesta noite fui muito além do normal com uns três copos de campanha. Logo depois da meia noite, fui até o quarto descançar um pouco mas só acordei no meio da madrugada, ainda de tênis no pé e tateando paredes para achar o banheiro pois o gerador de luz tinha sido desligado.

Volta

No dia seguinte acordamos lá pelo meio dia, a tempo de perder o café da manhã do Refúgio. Que saúde estes outros viajantes tem, antes das nove já estavam de pé. Quando conversávamos sobre o que fazer, chega nosso amigo Tom. Isto mesmo, Tom, que havia decidido caminhar até lá, havia dormido num acampamento e chegou antes mesmo de pensarmos em fazer qualquer coisa de útil.

Com uma pequena garoa que caía, nossa dúvida era explorar um pouco mais o glaciar ou iniciar o caminho de volta. No meio da tarde, fizemos nossa caminhada de umas três horas até o Refúgio Pehue, que fica às margens do lago de mesmo nome.

E foi uma bela idéia, pois no dia seguinte caiu uma bela chuva pela manhã. Pudemos comprar com antecedência nossa passagem para o barco que leva até a estrada principal do parque. No embarque vimos diversas pessoas com uma cara que perderam o trem, lembrou muito nós lá em Calafate.

Com o horário meio que sincronizado, pegamos um ônibus para Puerto Natales, duas horas. Lá nos separamos, pois os "paulistas" tinham mais tempo de férias e iriam para Punta Arenas e Terra do Fogo, enquanto nós estávamos indo para Rio Túrbio, onde sairia o ônibus para Rio Gallegos, depois avião para Buenos Aires e Porto Alegre.

E aqui descobrimos uma interessante maneira de passarmos pela alfândega sem sermos revistados. Lá a amostragem era total, ou seja, todas pessoas tinham suas bagagens abertas. Porém ao ver dois mochileiros com a barba por fazer à duas semanas, a responsável pela fiscalização imaginou, corretamente, que nada trazíamos exceto muita roupa suja e fotos desta Expedição ao Fim do Mundo.

Valeu, até a próxima expedição, em uma paragem ainda mais remota !